sábado, 25 de julho de 2009

Serenata


Repara na canção, a canção é tardia
que timidamente se eleva,
num arrulho de fonte fria.

O orvalho treme sobre a treva
e o sonho da noite procura
a voz que o vento abraça e leva.

Repara na canção, a canção é tardia
que oferece a um mundo desfeito
sua flor de melancolia.

É tão triste, mas tão perfeito,
o movimento em que murmura,
como o do coração no peito.

Repara na canção, a canção é tardia
que por sobre o teu nome, apenas,
desenha a sua melodia.

Cecília Meireles

Ódio?


Ódio por ele? Não... Se o amei tanto,
se tanto bem lhe quis no meu passado,
se o encontrei depois de o ter sonhado,
se à vida assim roubei todo o encanto...

Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
turva o meu triste olhar, marmorizado,
olhar de monja, trágico, gelado
como um soturno e enorme Campo Santo!

Ah! Nunca mais amá-lo já é o bastante!
Quero senti-lo d'outra, bem distante,
como se fora meu, calma e serena!

Ódio seria em mim saudade infinda,
mágoa de o ter perdido, amor ainda.
Ódio por ele? Não... não vale a pena...

Maria Lúcia Dal Farra (org). Poemas de Florbela espanca. São Paulo: Martins Fontes, 1996.